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#FalaAíProfessor: Brasil é nome de vegetal!
Data de Publicação: 30/05/2017 16:15:00
Falar sobre a língua, reconhecer suas diferentes estruturas, diferenciar conceitos e respeitar todas as variedades de um sistema e de seus subsistemas é, desde muito, um desafio para o profissional de linguagens e suas respectivas tecnologias.
Antigamente, ouvíamos de nossos pais, de nossos professores e da sociedade em geral que deveríamos dominar a norma culta da língua como forma de ascensão social. Hoje, a duras penas, percebo que a questão é muito mais profunda.
Apesar de haver uma língua mais prestigiosa, que atua como modelo, como ideal linguístico de uma comunidade, a presença da variação é constante e requer atenção por parte das educadoras e dos educadores nas escolas. Não é raro percebermos que a norma é coercitiva e representa força contrária à variação.
Não é difícil, também, ver nos rostos de nossas alunas e de nossos alunos a pergunta estampada que não quer calar: “se eu preciso dominar a norma culta numa redação do Enem, por que devo aceitar a variação e não condenar as falas “do povo” que comete “erros” gramaticais?”.
Um “artigo” não é suficiente para responder a essa questão. Entretanto, façamos algumas considerações importantes:
A língua, na concepção da sociolinguística, é intrinsicamente heterogênea, múltipla, variável, mutante, instável e está sempre em desconstrução e reconstrução. Como ela se faz em processo, é uma atividade social produzida por todos os falantes cada vez que eles interagem por meio da fala ou da escrita. Isso nos leva a crer que nenhuma língua permanece estática e que as diferenciações nos modos de falar não prejudicam a sua unidade.
Por consequência dessa heterogeneidade, há, no mínimo, duas forças que agem sobre as línguas: a primeira, considerada inovadora, é determinada pela diversidade de falantes e pela própria evolução da sociedade. A segunda, de caráter conservador, zela pela obediência a uma norma padrão idealizada, defendida por instituições como a escola, os órgãos públicos e a mídia em geral.
A grande polêmica que envolve a pergunta acima citada (aquela que fica nos rostos das alunas e dos alunos) é o preconceito contra aqueles que não se aproximam, no seu uso linguístico, da norma idealizada “padrão”.
Tomemos alguns exemplos: a forma “tu fazes” (com concordância regular), que é utilizada em certas áreas de colonização açoriana em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul e em áreas urbanas do Maranhão e Pará, contrapõe-se à forma “tu faz” (com concordância irregular), utilizada em contextos informais em quase todo o restante do Brasil. A construção “sei, não”, comum no Nordeste do País, é diferente da forma “não sei”, de maior uso em outras regiões. Na região Sul, você compra uma “bergamota”; em Minas Gerais, uma mexerica; no Rio de Janeiro, uma tangerina.
As modificações da língua ocorrem em vários níveis. Nesses exemplos, relacionados à morfologia, sintaxe e vocabulário, percebemos as variações que se dão de forma sincrônica (uma ao mesmo tempo da outra) em relação ao caráter diatópico (regional) dentro de um mesmo território.
O que fazer?
A palavra de ordem é adequação. Não podemos olhar para a língua – instrumento político muitas vezes a serviço da desigualdade – sem levarmos em consideração os aspectos socioeconômicos inerentes a ela. Qualquer que seja o tipo de variação, o importante é o seu reconhecimento como componente cultural, sem hierarquizá-las ou submetê-las a visões preconceituosas ou discriminatórias, já que constituem manifestações autênticas de comunicação.
Se a troca de experiências nos enriquece, não devemos deixar de lado as circunstâncias em que se dão. Respeito ao próximo, por exemplo, foi-me passado por pessoas que não frequentaram a escola. Fazer-se entender; pelos pais dessas pessoas, meus avós. Um médico não pode rir da língua utilizada pela pessoa que ele pretende ajudar, afinal, como se pode ajudar alguém, se eu iniciar o meu processo de ajuda “zombando” da própria pessoa, quando ela diz “peleumonia”? Em hipótese alguma, a tevê deve continuar ridicularizando personagens nordestinas através de caricaturas irreais e discriminatórias. Um atendente não pode deixar de atender a alguém por ouvir expressões como “como faço pra mim fazer esse celular funcionar?”. As bisavós analfabetas de tantos de nós sabiam que o chá da “guniada” ajuda muito mulheres com problemas em seus ciclos menstruais. Você sabia? Ela é uma árvore grande de madeira dura e casca muito amarga. Mas se você conhecer a “quina branca”, a “sucuba”, a “tapouca”, por exemplo, conhece a “guniada” cultivada pela bisavó desse simples professor que lhes escreve. Se não for suficiente, procure saber sobre a variante “Chá da Agoniada”, reconhecida na medicina popular e responsável pela diminuição da agonia de tantas mulheres.
Quando for fazer uma prova, esse nome horrível que nos obriga a “provar” uma pequena parte de nosso conhecimento construído, você utiliza a norma gramatical, blz?
Mas não esqueçam: acesso à educação em seu sentido mais amplo, aos bens culturais, à saúde, à habitação, ao transporte de qualidade, à água encanada, à rede de esgoto, à participação ativa e consciente nas decisões políticas, tudo isso ainda é para poucos. Então, como julgar através do domínio de uma norma de prestígio aqueles que, infelizmente, não têm prestígio?
Estamos na luta pela transformação social em todo o país, e não é apenas o domínio de uma forma de fala ou de escrita que nos corrigirá desse passado de profundas desigualdades sociais.
Vamos rever o conceito de “erro de português” e recusar argumentos que visem menosprezar os falantes desse enorme e rico país.
O preconceito linguístico, de amplo embasamento social, é o desrespeito à variação linguística. Por isso é necessário compreender o equívoco que foi criado, ao longo da história, entre uso, gramática normativa e língua.
“Que importa que uns falem mole descansado / Que os cariocas arranhem os erres na garganta / Que os capixabas e paroaras escancarem as vogais? / Que tem se os quinhentos réis meridional / Vira cinco tostões do Rio pro Norte? / Junto formamos este assombro de misérias e grandezas, / Brasil, nome de vegetal! (….)”.
Quando se valoriza de forma plural a cultura, respeitando a diversidade e os direitos de cada um, conseguimos diminuir um pouco do abismo social existente no Brasil.
Brasil real é gente que se comunica do acordar ao dormir. Brasil real é múltiplo e diverso na sua unidade. O nosso nome é Brasis.

Charles Dias Gonçalves
Professor de Linguagens - Rede de Ensino APOGEU
Tags: APOGEU, #FalaAíProfessor, Linguagens
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